Jovem poeta, de 22
anos, se espelha em nomes consagrados da literatura negra para representar sua
comunidade
Duan
Porto Barcelos, mas eu uso Duan Kissonde. Esse nome foi uma coisa assim, eu me
rebatizei, sabe. Em 2012, eu passei por um linfoma no baço. Fiquei internado e
daí tive que fazer o transplante de medula. Daí eu achei justo que como a
pessoa nasce de novo, tem que ter um novo nome. Eu deixei o Duan e coloquei o
Kissonde. Kissonde eles chamam uma formiga que tem nas savanas lá na Angola. É
uma formiga que tem uma mordida forte, e eu achei que tinha tudo a ver com a
minha personalidade um pouco, sabe. A formiga é um bicho pequeno, mas é um
bicho forte, que consegue carregar dez vezes o peso dela e tal. Então eu fiz
essa ligação.
Tímido até terminar a
primeira frase, depois da segunda e da terceira ele não para mais. Duan
Kissonde é a revelação da poesia negra gaúcha. Ainda se acostumando com os
elogios vindos de referências como Jorge Fróes, Sidnei Borges e Fátima Farias,
ele é o poeta convidado no projeto Sopapo Poético na Escola:
Juventude negra e poesia. Dia 12, terça-feira, na Escola Estadual Benardo
Vieira de Melo, em Esteio-RS.
Na
tua família, quem mais tinha ligação com poesia?
Só a minha vó, Dona Rosa
Braga. Ela tinha só a sexta série, mas sempre gostou de escrever. Era uma
maneira que ela tinha de extravasar os sentimentos e nunca foi de apresentar.
Ela só se apresentava para mim, e eu sempre prestei atenção no que ela falava,
no que ela fazia. Então, a gente era meio cúmplice nesse lance de poesia. E
depois, uma vez, uns quatro anos antes de ela falecer, ela conheceu uma mulher
que faz um projeto "Historinhas Ambulantes". Que era só de fotos, com
saídas para a Redenção, Praça da Alfândega e daí a minha vó deu a ideia de
colocar poesia ali também. Tipo, tu chega lá e conta uma história, daí tu tem
direito de pegar uma história de lá. Tu paga uma história com outra história.
Quando a minha vó faleceu, ela virou a madrinha desse projeto. Em 2014, eles
receberam o Prêmio Açorianos de Literatura, daí teve homenagem à minha vó, me
chamaram para participar de coquetel e todas aquelas coisas. Foi reconhecida
depois, né? Não foi reconhecida em vida, então agora eu estou fazendo esse
trabalho para dar orgulho a ela também.
Quantos
poemas tu já escreveu?
Nossa, eu nem conto. Eu tenho
mania de escrever em papel, e a minha mãe tem a mania de juntar. Porque às
vezes eu escrevo, acho que não ficou bom e daí eu largo, toco no lixo. Ela vai
lá, mexe na lixeira diz: "não, esse aqui eu vou guardar". Daí ela tem
o acervo dela e eu tenho as minhas coisas. Agora sim, da minha fase essa, que
conta de 2012 pra cá, depois que eu passei por toda essa função, percebi que a
minha poesia tá mais amadurecida. Dessa fase eu tenho uns 60 poemas, mas de
vida toda, devo ter mais de 600.
A
tua poesia sempre foi voltada para a questão do negro?
Sim, essa coisa de fazer a
poesia na questão do negro começou com 16 anos, quando eu fui na casa do Vladi,
Vladimir Rodrigues, e vi pela primeira vez o livro de poemas do Oliveira
Silveira. E aquilo, bá, mudou totalmente a minha vida, e eu fiquei pensando:
"cara. alguém vai ter que seguir o caminho desse cara aqui". Não pode
ser só ele que fez, alguém tem que dar continuidade nesse trabalho. E nisso que
eu me esforço, nessa coisa do negro. No bairro onde eu moro, na periferia, lá
na Lomba do Pinheiro, essa coisa é muito constante, esse embate racial. Tu
consegues perceber, por mais que seja uma comunidade onde eu more –
majoritariamente negra –, vejo que tenho um retorno lá dentro da minha
comunidade. Os caras me conhecem: "Ó lá, o Duan, o poeta", eles olham
as minhas fotos lá no Sarau e tudo mais. E isso daí é uma forma de dar exemplo,
sabe. Hoje, tenho conhecidos que voltaram a estudar e que estão lendo poesia, e
isso é muito gratificante. Esse dias, vi um cara lá do bairro postando um poema
do Oliveira Silveira no Facebook. E aquilo foi influência minha. Então, esse é
o trabalho que eu faço na verdade.
Como
tu vê a importância de ter jovens negros envolvidos com poesia?
A importância é essa, do
espelho. Tu estar ali vendo que tem um poeta negro, que faz um trabalho e que
ele mora no mesmo lugar que tu mora. Daí tu vê que "pô, o negão que tá
fazendo isso daí, tá começando a subir, né? Tá começando a ser
referência". É nisso que eu me preocupo muito, de ser um bom exemplo, uma
referência para eles (jovens). Assim como o Oliveira Silveira é para mim, eu
sou para eles lá também, na periferia. Então, eu tenho um conceito, que criei
ano passado, na verdade é um poema e ele é assim: "Poesia de periferia não
é patifaria/É pedra preciosa perfeitamente palpável". Esse é o conceito
que eu tô trabalhando, de poesia preta de periferia. Não só uma poesia de
periferia. Para eles, que olham de fora, é só uma periferia, para mim é o meu
universo, é o meu centro.
Além
de ter o Oliveira Silveira como espelho, quem mais é referência pra ti?
Têm vários: o Jonatas
Conceição, Éle Semog, que venho lendo desde o ano passado e não larguei. Têm mais
poetas "nego véio" também, como o Cuti Silva, grande referência. José
Carlos Limeira é outro grande. Carlos Assumpção. Outro que também é da nova
geração, o Akins Kinte, de São Paulo, um cara que faz um trabalho muito interessante,
ele tem um poema que tá bombando: "Duro não é o cabelo/Duro é o
sistema" e tal, é um baita poema, ganhou até festival de poesia de São
Paulo de 2014. Tem o Sérgio Vaz também, foi um cara que me ajudou muito a
compor as novas coisas que eu venho escrevendo. O Sisinho África, do Rio de
Janeiro, que eu tive o prazer de conhecer lá. Colei ano passado no Sarau do
Denegrir, é o sarau do Griotagem e quem faz é o Coletivo Denegrir, lá na UERJ
(Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Daí tive a oportunidade de
participar desse sarau, um sarau totalmente preto, o critério deles lá também é
só para pessoal de cor, só preto mesmo. O bagulho é chapa preta! E foi, bá, uma
experiência muito boa. Fui lá, representei a minha comunidade, levei para o Rio
de Janeiro isso e, também, sempre representando o Oliveira Silveira, porque eu
sempre digo: "se o novo tá aqui, é por causa do velho". Não tem como.
Falando
em participações em saraus, tu já estiveste em quantos?
Na verdade, esse do dia de 12
de abril, do Sopapo Poético, é o meu primeiro sarau como poeta convidado. Eu
sempre vou ali de "penetra", chego e só dou uma lida. Mas é aquela
coisa, o que eu escrevo é independente. A força da minha poesia tá muito além
do que eu sou, como pessoa. Então, às vezes, o que eu escrevi impactou tanto
que começou a gerar repercussão. As poesias que eu faço é que tão me chamando
para falar. E dá para ver que a identidade é muito forte, como o que te falei
do Oliveira Silveira. Não quero imitar ele, também não quero roubar o lugar dele.
Ele tá lá e vai ficar lá, o Oliveira Silveira é o nosso mestre e sempre vai
ser. Mas eu quero resgatar isso, não deixar morrer. Eu quero pegar essa
bandeira para mim e levantar.
Mesmo
sendo novo, tu já tem uma caminhada, uma trajetória. Então qual a diferença de
agora para o começo?
Foi tudo muito rápido. Então,
como que te falei, final de 2014, daí em 2015 tive uma visibilidade mais ou
menos e tá indo. Daqui a pouco, se continuar nesse ritmo, vão falar em poesia
negra e vão falar em Duan. É uma coisa que eu ainda não tô preparado, mas eu
vou ter que me preparar porque eu tô vendo que é a minha poesia que vai me
levar. Agora mesmo teve a Pretessência, a antologia poética que o Sopapo vai
lançar (no dia 30 de abril), tá num projeto de poesia que fizeram em Salvador.
Eu mandei esse poema e escolheram de cara e eu nunca fui a Salvador; a minha
poesia chegou lá antes de mim. E é o que tá acontecendo, então eu tô virando
referência no meio. Tô chegando devagarzinho, humilde, sou tímido ainda, às
vezes eu penso que tenho fazer uma performance melhor. Até pelo público, para
dar uma animada e tal. Eu sou muito amador ainda nessa coisa. Tô construindo,
mas eu vejo que daqui a pouco meu nome vai estar lá também, junto do Oliveira
Silveira e de tantos outros.
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